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quinta-feira, novembro 21, 2024

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Memória: O carnaval de todas as crenças

O sincretismo religioso também ganha espaço no Carnaval

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A face de Oxalá no tripé que expressa o sincretismo religioso brasileiro e que não pode voltar a avenida no desfile das campeãs.

Enquanto o mundo vive uma onda de intolerância,  a maior festa do Brasil dá o exemplo de que todas as crenças e raças podem viver em harmonia.

O carnaval 2017 que marcou o centenário do Samba, mostrou isso: a festa que surgiu como um deboche à elite e como um grito de liberdade para os oprimidos, passou por grandes transformações.

O carnavalesco Paulo Barros em entrevista ao programa “Como Será” da TV Globo, falou sobre esta mudança: “Por muito tempo se enxergou o carnaval como uma festa da carne, da bandalheira, como uma festa do nu, do depravado, e a escola de samba não é nada disso. A escola de samba hoje é a maior representação cultural que nós temos, aonde nós levamos informação, cultura, alegria espetáculo, agregando valores. É uma coisa que é única e, Graças a Deus, é nossa”.

Justamente por ter sido visto por muito tempo como uma festa profana, duas coisas que estão muito unidas no samba, a fé e a cultura, não costumavam se misturar no Carnaval.

O carnaval de 1989, virou símbolo desta separação: O Cristo vestido de Mendigo idealizado por Joãosinho Trinta no desfile da Beija-Flor foi proibido. Mas  a coragem de Joãosinho Trinta levou a uma mudança profunda na relação entre carnaval e culto religioso: No inesquecível protesto contra a censura, a escultura encoberta por um plástico preto trazia não apenas a repulsa à proibição, mas o grito contra a opressão à liberdade: “Mesmo proibido, olhai por nós”.

Após 28 anos, o sonho de liberdade de Joãosinho Trinta ganhou contornos de virar realidade. O carnaval 2017 que marcou o centenário do samba,  ficou marcado também como o ano em que o carnaval definitivamente deixou de ser visto como um espetáculo profano, para se tornar símbolo de tolerância de cor, raças e principalmente de crença religiosa.

No desfile das Escolas de Samba de São Paulo, A Unidos de Vila Maria, celebrou os 300 anos do culto a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil.

Um desfile em procissão, cuja Rainha era tão somente a Mãe de Deus, com direito à hino da Ave-Maria, cantado na abertura e componentes que emocionados, entoavam o enredo em forma de prece:
Aos teus pés vou me curvar/ Senhora de Aparecida/
A prece de amor que nos uniu/ Salve a rainha do Brasil.

Após a Vila Maria com sua fé em Nossa Senhora Aparecida, a Vai Vai, encheu o Sambódromo com os Orixás do Candomblé num desfile em homenagem a Mãe Menininha de Gantois, matriarca do Candomblé no Brasil: O sambódromo ficou tomado por Orixás representantes dos quatro elementos da natureza: a terra, o fogo, o ar e a água.

O Rio deu o exemplo desde 2016. A Estácio de Sá levou para a avenida em 2016 um enredo sobre a fé em  São Jorge, padroeiro da escola, sincretizado como Ogum em alegorias que traziam o culto ao santo e ao orixá.

Em 2017, no Carnaval do Rio, a fé esteve ainda mais presente: A Grande Rio, ao falar da diva do axé Ivete Sangalo, não deixou de lado a fé dos ribeirinhos do São Francisco, por Nossa Senhora de Grotas que passou pela avenida numa escultura gigante.

Nos bastidores do carnaval, vale frisar: a maior parte dos componentes de todas as escolas faz o sinal da cruz e dirige uma prece a seu Santo ou Orixá pedindo bençãos para o desfile.

No segundo dia dos desfiles na Sapucaí naquele ano, enquanto a União da Ilha cantou a fé de Angola com seus inquices,  a Estação Primeira de Mangueira trouxe para a avenida a fé do brasileiro e a beleza do sincretismo religioso que reúne em paz as religiões africanas e a fé cristã.

A criatividade do jovem e brilhante carnavalesco Leandro Vieira, fez Nossa Senhora Aparecida, passar pela Sapucaí de Porta Bandeira, enquanto o Círio de Nazaré teve uma composição especial com suas marcantes cordas.

Em harmonia com  as emblemáticas imagens da Mãe de Deus tão presentes na fé católica, Iemanjá e Oxum  também tinham seu lugar de destaque.

Mas a imagem mais expressiva  da  tolerância religiosa no Brasil e que é exemplo para todo o mundo, foi a composição que trazia, numa peça única, Jesus e Oxalá.

O resultado de um desfile tão emblemático e cheio de fé foi o Estandarte de Ouro elegendo a Mangueira como melhor escola do Carnaval 2017!

Este respeito a fé  tão presente na nossa cultura e esta liberdade de poder mostrar isso na maior festa cultural do nosso país é algo extraordinário.

Embora desde 2020, o carnaval esteja suspenso em função da pandemia, a nossa festa de carnaval mostra ao mundo,  que o caminho para a paz fica bem mais curto quando deixamos de lado as diferenças,  para celebrar o que é comum a todos os povos: a fé e a alegria de ser livre.

Mas, ainda temos um longo caminho pela frente:

Infelizmente a alegria de ser plenamente livre ainda encontra obstáculos baseados em uma censura desnecessária que nos remete a um passado onde a opressão à manifestações de fé, era também uma forma de manter a escravidão.

Em 2017, a imagem do Cristo/Oxalá foi proibida de voltar a Sapucaí no Desfile das Campeãs.

Nestes tempos em que a Igreja Católica celebra a quaresma e relembra a vida de Jesus, seria bom lembrar que Ele não se limitava a estar presente apenas nas Sinagogas ou nos Templos. Ao contrário, era no meio do povo que ele conseguia estar perto daqueles que mais necessitavam de sua presença.

A presença de Jesus na Sapucaí, fez muita gente elevar o pensamento a Deus, como destacado na reportagem,  no meio de uma festa que a muito, deixou de ser profana.

A sua ausência no Desfile das Campeãs, deixou um vazio não apenas na alegoria, mas no coração daqueles que creem no seu amor incondicional. Vazio este muito bem representado pela foto do próprio Carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, com o Cristo sozinho no barracão.

Oxalá, um dia possamos ser livres para mostrar que a fé em Jesus Cristo, pode caminhar de mãos dadas com nossas manifestações culturais e,  por isso,  hoje remeto a Jesus, a oração de Joãosinho Trinta: “Mesmo proibido, olhai por nós”.

por: Lília Araújo
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