‘Olho espelho/E não me vejo/Não sou eu/Quem lá está’. Esses são os primeiros versos do poema “Eclipse”, de Carlos de Assumpção, que Péricles transformou em música feita especialmente para o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
Comparado por críticos e estudiosos a grandes nomes da poesia, como Castro Alves e Carlos Drummond de Andrade, Carlos de Assumpção é ícone da representatividade da cultura e da luta da população negra brasileira contra o racismo e todas as suas formas de preconceito e opressão.
Considerado um dos pioneiros da literatura afro-brasileira o poeta, um dos últimos elos vivos entre a escravidão e os dias atuais, cresceu ouvindo histórias do tempo da escravidão contadas pelo seu avô, beneficiário da lei do ventre livre. Sua obra transcende tempo e espaço e expõe em versos e prosas a dura realidade dos negros no país. Mesmo com a grandeza da sua obra, Carlos é considerado o ‘poeta invisível’, uma vez que seu trabalho não é conhecido e reconhecido como deveria.
“A história de um homem extraordinário como a do Carlos de Assumpção era para ser conhecida por todos nós brasileiros. Era para ser ensinada nas escolas, assim como é feito com outros autores igualmente importantes para a história do nosso país. Espero que através dessa homenagem, seus poemas ecoem pelos quatro cantos do Brasil e as pessoas descubram essa joia, essa raridade chamada Carlos de Assumpção. Foi emocionante ter a oportunidade de musicar um dos seus poemas”, declara Péricles.
O poeta, professor do ensino fundamental, advogado e doutor honoris causa pela UFRJ, nasceu em 1927 no município de Tietê (SP) e vive desde 1969 em Franca, também no interior de São Paulo.
No início de novembro Péricles viajou até Franca para conhecê-lo pessoalmente. O poeta o recebeu na Casa de Cultura de Franca e o bate-papo entre eles transformou-se em um Mini Doc com um conteúdo riquíssimo e emocionante. A música, o Lyric Vídeo e o Mini Doc estarão disponíveis em todas as plataformas de streaming e no YouTube a partir do dia 18 de novembro (sexta-feira).
Eclipse (Carlos Assumpção)
Olho no espelho
E não me vejo
Não sou eu
Quem lá está
Senhores
Onde estão os meus tambores
Onde estão meus orixás
Onde Olorum
Onde o meu modo de viver
Onde as minhas asas negras e belas
Com que costumava voar
Olho no espelho
E não me vejo
Não sou eu
Quem lá está
Senhores
Quero de volta
Os meus tambores
Quero de volta
Os meus orixás
Quero de volta
Meu Pai Olorum
Em seu esplendor sem par
Quero de volta
O meu modo de viver
Quero de volta
As minhas asas negras e belas
Com que costumava voar
Olho no espelho
E não me vejo
Não sou eu
Quem lá está
Séculos de destruição
Sobre os ombros cansados
Estou eu a carregar
Confuso sem norte sem rumo
Perdido de mim mesmo
Aqui neste lado do mar
Um dia no entanto senhores
Eu hei de me reencontrar
Carlos Assumpção – o poeta invisível
Carlos Assumpção nasceu em 1927 em Tietê (SP) e radicou-se em Franca, adotando a cidade como ponto de resistência e produção para sua vasta obra literária. Entendedor da força da palavra, o poeta é um ícone na obra de resistência negra no Brasil. Ele é neto de Cirilo Carroceiro, que deixou de ser escravizado pela Lei do Ventre Livre (1871). O avô, analfabeto, era quem contava histórias testemunhais sobre a escravidão, as marcas desse período e servia de contraponto para o garoto que lia uma história diferente nos livros didáticos. O pai de Carlos Assumpção também era analfabeto, mas tinha habilidade na palavra contada. A mãe dele era alfabetizada, amante da poesia e trabalhou como cozinheira e ainda lavava roupa para fora.
Sua formação foi construída com pilares para entender o mundo a sua volta e o que familiares e tantos outros negros sofreram no passado e ainda vivem hoje. Na idade adulta, conseguiu formar-se em Direito e Letras e ainda trabalhou como professor para crianças ao estudar o então chamado curso Normal. Críticos, estudiosos e outros poetas igualam Carlos Assumpção a nomes como Castro Alves, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gular. O poeta já é parte da história da literatura e protagonista na atual construção da poesia no século XXI.
Mesmo com a grandeza da sua obra, Carlos é considerado “poeta invisível”, uma vez que seu trabalho não é conhecido como deveria. Com 95 anos, ele usa os meios digitais para ajudar espalhar suas palavras e poesias. Com seu número de WhatsApp, dispara seus poemas para a lista de contatos e enche o dia com uma mensagem verdadeira, comprometida e autoral de quem sabe atuar a favor da resistência para a vida.
Obras
Apesar de ser um decano da literatura afro-brasileira, Carlos de Assumpção estreou em publicação individual somente em 1982, aos 55 anos, com o livro “Protesto”.
Nas décadas seguintes lançou mais quatro volumes de poemas (“Quilombo”, 2000; “Tambores da Noite”, 2009; “Protesto e Outros Poemas”, 2015; “Poemas Escolhidos”, 2017).
Já a obra “Não Pararei de Gritar” reúne sua poesia completa: os cinco livros mais outros nove poemas inéditos, escritos entre 2018 e 2019.
Racismo não da samba. Vista esta camisa