Hamilton de Holanda se tornou referência do bandolim na música instrumental mundial, tendo unido o seu instrumento a diversos gêneros musicais e colaborado com músicos de alta patente do jazz como o Wynton Marsalis, Chick Corea, Chucho Valdés, Stefano Bollani, Chris Potter, Joshua Redman, além das lendas brasileiras Djavan, Ivan Lins, Milton Nascimento, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti e muitos outros.
Em Tembla, novo álbum de Hamilton de Holanda, o improvisador se une aos seus parceiros venezuelanos do C4 Trío explorando clássicos da música latina. C4 Trío é considerado um dos trabalhos musicais mais inovadores e originais da cena musical venezuelana e latino-americana. Com seu formato incomum de três cuatros venezuelanos e um baixo elétrico, eles conseguiram criar uma sonoridade enraizada na música popular venezuelana, mas com fortes influencias de jazz, música latina, world music e pop.
O projeto nasceu de uma conversa entre Marcos Portinari, empresário de Hamilton, e o produtor do Teatro Colsubsidio Paulo Sanches, oficializado posteriormente em um encontro do brasileiro com o C4 durante a premiação do Grammy Latino, de 2022 – que foi vencido por Holanda. Depois de elogios mútuos, eles decidiram sacramentar a admiração em um trabalho em conjunto. Holanda e o C4 aproveitaram então os shows que fariam no Teatro Colsubsidio, na cidade colombiana de Bogotá, para colocar o projeto em ação. O repertório foi escolhido durante uma conversa no Hotel Tequendama e as gravações foram realizadas nos Estúdios Groove, na Colômbia. O nome do álbum, aliás, também foi inspirado por essa temporada. O verbo “temblar”, em espanhol, quer dizer “estremecer”. E a terra tremeu três vezes durante o registro das dez canções que fazem parte desse trabalho.
Hamilton de Holanda e C4 Trio são, a seu modo, restauradores das raízes musicais do país. O bandolinista tem como ponto de partida o choro, um dos ritmos mais tradicionais da música brasileira, e une a instrumentos tradicionais do seu país e do mundo. Já os venezuelanos resgatam o cuatro, um instrumento semelhante ao cavaquinho e ao ukelele, mas com o jeito de tocar completamente diferente. Jorge Glem, Hector Ramirez e Héctor Molina, além do baixista Rodner Padilla, dão um ar de contemporaneidade ao cancioneiro latino. E Hamilton possui ligações emocionais com a Venezuela. “Foi o primeiro país que toquei fora do Brasil. Eles ainda têm um gênero musical, o joropo, que lembra muito o choro.”
Tembla é composto de dez canções, a maioria de regravações e foi sugestão de Marcos Portinari de escolher clássicos latinos. Borbulhas de Amor, de Juan Luis Guerra (conhecida por aqui na versão de Fagner) e o bolero Frenesi fazem parte do repertório “americano”. “Mas a ideia era fazer um repertório de clássicos da música latina, não necessariamente brasileiras e venezuelanas, mas que abraçasse o cancioneiro dessa região”, explica o bandolinista.
Uma das muitas qualidades de Tembla está em dar um novo sopro para canções extremamente conhecidas. Um dos casos mais exemplares é de Anos Dourados, parceria de Tom Jobim e Chico Buarque. A versão de Hamilton e C4 recuperou a sua essência, que era de um bolero. “Na minha memória afetiva, ela sempre foi um bolero”, justifica Hamilton. Corazón Partio, de Alejandro Sanz, é outra composição que acaba transformada pelos instrumentistas. Sua introdução lembra a de um choro. “A harmonia do começo é a mesma de Carinhoso, mas choro e Pixiguinha sempre estão em tudo o que eu toco”, justifica o músico. La Tierra del Olvido, do colombiano Carlos Vives, recebe aqui um tratamento jazzístico.
La Fiesta, de Chick Corea, foi umas das primeiras músicas a entrar no repertório, como explica Héctor Molina, “É muito rica para improvisação, tem uma energia muito especial que faz o álbum crescer e nos permite explorar os recursos de nossos instrumentos e improvisar”. Vale la Pena, de Juan Luis Guerra (com participação vocal do 440, grupo que acompanhou o artista dominicano na versão original) é outro destaque: “É um daqueles temas que faz parte de todas as reuniões e festas familiares na América Latina. É uma composição muito rica em ritmo e melodia, do mestre Juan Luis Guerra, um dos nossos músicos favoritos. Acredito que a versão que conseguimos representa muito bem a sua riqueza musical. É nossa homenagem à cultura musical dominicana que tanto apreciamos, e ainda contamos com os coristas originais de 440: Roger Zayas, Janina Rosado e Quico Rizek, que deram o toque final que estávamos buscando.”
Em Ojos Verdes, Jorge Glem compartilha a emoção de gravar essa faixa: “É uma música que ouvimos desde crianças. Um bolero precioso. Ficamos agradavelmente surpresos ao descobrir que Hamilton também é um bolerista nato, e poder fazer essa união que acrescenta tanto valor e gravar uma música nos transportou de volta à nossa infância”.
Pras Crianças e Manzanares são canções da lavra de Hamilton de Holanda e Jorge Glem, do C4. A primeira, um choro-ijexá delicado. Manzanares de autoria de Jorge Glem, ganha o reforço do feat. da cantora indiana Varijashree Venugopal. Hamilton conta que conheceu a vocalista numa espécie de desafio que criou nos tempos da pandemia. Ele colocava um vídeo e pedia para que as pessoas o acompanhassem cantando. “Quando eu vi essa menina cantando, eu fiquei louco. Comecei a chorar. Ela virou uma parceira, já gravou comigo e fizemos shows nos Estados Unidos”, confessa.
“No estúdio pensei que meu pai Américo iria amar esse repertório. Muitas das canções que estão ali, ele colocava para tocar em casa”, diz. Seria muito bom ter conhecido seu Américo. Mas é bom demais saber que podemos conhecer a música de Hamilton de Holanda e o C4 Trio.